domingo, 8 de junho de 2008

A inconsciência do sonhos


Há dias visitei a exposição patente no Palácio Nacional da Ajuda sobre a vida de José Saramago. Em determinada altura, já perto do final, a guia de serviço fala das milhares de cartas que o Nobel recebe na sua casa em Lanzarote, cartas essas provenientes dos mais variados pontos do globo e das mais diversas personalidades do mundo literário e do mundo desconhecido. O curioso da situação, para a guia, era que muitas das cartas não levavam o endereço completo. No envelope só constava: "José Saramago - Lanzarote". E as cartas chegavam ao destinatário. Saramago é tão conhecido, tão conhecido, mas mesmo tão conhecido (em Lanzarote) que só precisa de constar no envelope "José Saramago - Lanzarote". Nem é preciso saber qual a praceta, qual a rua, qual o largo, se é perto do Café Central, da mercearia ou da padaria. Só se precisa de saber que Saramago tem poiso em Lanzarote. Se escrevermos bem Lanzarote, vai lá ter. É tiro e queda.
Bem, isto foi algo de extraordinário para as duas dezenas de reformados que me acompanhavam na visita à exposição. E logo neles que lêem Saramago desde 1998. Eu fiquei estático, pensando para mim "Qual é o business? O que é que isso tem de especial?". É que Lanzarote, além de não ter muitos habitantes com o nome de Saramago não deverá ser um local com bué ruas e códigos postais diferentes. É que aquilo é vulcões e mais nada. És mesmo grande Saramago. Até um carteiro saído do Ensaio sobre a Cegueira deve encontrar a casa do Saramago e da sua Pila(r).

Mas o caractér excepcional dessa situação morre logo quando eu me relembrei que, já na minha terra (bem antes de 1998, logo bem antes de Saramago ser conhecido para aquela guia e para os reformados que a acompanhavam), havia alguém que gozava desse estatuto de ser tão conhecido que na sua correspondência constava o mínimo de informação possível no rosto envelope. Esse sr. era e é o famoso palhaço-sapateiro Dominik. As suas cartas só tinham que dizer: "Dominik - No Ending Street".
Para que fique registado, Dominik é pai de Nikito (que trabalha "em escritório"), pai de outra míuda que nunca teve crédito do pai (logo não sei o nome), amante de múltiplas vizinhas (aínda as come), amigo e conhecido de muitos "manos", constructor de um bunker em África "anti-minas", detentor de mais de 3 mil contos (moeda antiga) em sapatos numa cave (não sei se anti-minas se anti-ladrões), dono do Sório (cão que ladra, morde e canta) e proprietário de uma hacienda junto ao liceu local, onde tinha cavalos, frigorificos velhos e um projecto de uma piscina que só teria água pelo joelho para niguém se afogar. Dominik (a quem um dia por engano escreveram Domingos no B.I. e não Dominik, como diz chamar-se na realidade), é também um ex-futuro treinador da nossa equipa da rua, mas como nunca arranjamos umas madeiras que ele nos mandou roubar nas obras, nunca nos "entreinou". As suas virtudes são tantas que até sabe, por associação de ideias, que todos os skinheads que vivem no Bairro Alto têm Sida.
É um poço de sabedoria. A sua maior mágoa e o que aínda hoje tem preso na garganta, é que em mais de 10000 espectáculos que fez em cerca de 20 anos de carreira (uma média de "500 por ano", desde que Nikito se tornou apto para a prática de tão nobre actividade de palhaço) nunca descobriu "Quem pisou?". Realmente é triste. Mais triste aínda quando pensamos, que alguém tem coragem de pisar na perna, pelas costas, um digno palhaço que é coxo... Ao que o Mundo chegou.

Não haverá um Nobel para este senhor?

3 comentários:

asvezesanoite disse...

Gostei. Espectaculo digo eu!

... disse...

Grande post sócio. Mas mantém-se um mistério que merecia umas linhas. Afinal como é Dominik ficou coxo? Multiplicam-se os relatos e o folclore em torno desse episódio? E é importante levantar outra questão. Terá tão mítica e novelesca figura realmente existido? Investiguem que eu vou fumar uns cigarros para o elevador...

Stay,
Massa de Esparguete

Unknown disse...

Segundo o proprio Dominik ( o mano) teve a queda num número que fazia, no poço da morte.