domingo, 22 de março de 2009

Hard Coooore, FORWARD!


Fim do ano Mil Nove Noventa e Cinco. Um núcleo sub-urbano, movido pela nova ordem alimentar que contraria a mais elementar Roda dos Alimentos, lentamente, avança por um caminho revolucionário que tem o seu inicio após a morte de Kurt Cobain, um ano antes. De forma marginal, as camisas de flanela aos quadrados, os cabelos compridos, os pescoços com tendência a andarem tombados, as vozes grossas cheias de água gaseificada, são substituídos pelos Airwalk, pelas calças e calções largos do Pereirassss, por casacos às riscas (da Adidas ou Adónis, consoante as carteiras), cabelos rapados, correntes e por ralos de um lavatório lá de casa, que agora faz de adorno no pescoço. É uma nova Era. Uma nova tendência que vai marcar os liceus locais. A Revolução não se faz só na aparência, mas sim, acima de tudo, na música e na alimentação.
Quando começaram a aparecer, sentados nos bancos mais merdosos do Liceu, munidos das sua violas compradas para a Catequese e que deram os primeiros acordes para tocar as "Dunas" e sacar um beijo a uma pita lânguida, numa colónia de férias de uma Multinacional ou instituição bancária (embora este dado, fosse, face aos novos ideiais que emergiam, sempre omitido), tal como a Coca Cola (bem maldito oriundo de americanos capitalistas e blá, blá, blá), primeiro estranhou-se, depois, tal como uma seita que prometia saúde eterna à custa de pipocas feitas sem milho "primogénico", entranhou-se.
O grupo foi crescendo. Foram ficando cada vez mais fortes. Não bebiam, não comiam nada oriundo de animais, e, tal como um senhor que conheci nas obras e que nunca ouviu falar de Veganismo me disse: a "carne vermelha? só como a que tem cabelos!". Tiveram o poder de alterar todo um grupo colegial. Uns ficaram mais agarrados que outros. Há, ainda hoje, quem não coma carne!

Um dia, correndo o risco de ficar sem amigos, vesti umas calças largas, coloquei uma t-shirt em cima de uma outra e fui até à capital, a uma "reunião" que tinha lugar no Ritz-Club. À porta é que vi a proporção daquele movimento. Eram para cima de 50 pessoas! Pensei, "se esta malta se lembra de se juntar, estamos todos com 3 X na testa não tarda nada!".
À entrada descobriram o meu disfarce. Não era um deles. Quando me dirigi para pagar o bilhete ia sendo sovado porque não tinha levado o pacote de arroz integral. -"Olha-me este Vertebrado Carnívoro... Onde é que está o teu arroz integral? Este quer pagar com dinheiro sujo que o carneiro do papá recebeu por trabalhar para esta máquina imperialista, que rege os escravos de uma sociedade decadente, que não se ergue e fica passiva a levar no cú de um Estado que só tira e ainda tem a vergonha de conceder este papel retirado das ilustres florestas amazónicas, onde irmãos índios lutam pela liberdade desde que Álvares Cabral lá foi dominá-los e pregar uma fé que queimava bruxas na fogueira!", disse um porteiro, com ar ameaçador.
- "Mete-lhe mas é uma farinheira de tofu pelo cú acima, pois sempre está habituado a ser papado pelo Sistema!", disse um outro.

O ambiente estava pesado. Lá consegui entrar, usando o dinheiro sujo que, afinal, sempre dava jeito para comprar aquela t-shirt que tinha um touro a enrabar um bandarilheiro que, como vinha de fora, custava 5 contos. Via-se que eles eram diferentes, quase selvagens. Eu, por 200 escudos, alugava um filme da Cicciolina e também via animais de grande porte a enrabar seres humanos. Olha lá se tivesse 5 contos...

A primeira banda sobe ao palco. A batida é forte, os berros ainda mais. No meio da multidão (perdoem-me a ironia, mas 50 pessoas são 50 pessoas! É muito arroz!), percebo que o desodorizante também deve ser feito com algo oriundo de animais. As músicas são iguais umas à outras. Começa com uma entrada de um baixo bem alto, a bateria ameaça, de repente há um berro e... lá vai ela! A bateria vai sempre igual que nem uma música de cancenotismo ligeiro português. Tocaram para aí 4 bandas e não dei pela diferença. Mas o melhor estava na mensagem. Polícia, Segurança Social, Governo, SNS, USA, sabão azul e branco testado em animais de punks do Rossio, todos estes e outros assuntos eram os visados. A malta obedecia. Gritava, saltava e levava aquilo a sério.

Passados estes anos todos é fácil constatar a fraqueza do movimento. Na altura, parecia fazer sentido. Mas, aqueles jovens que tinham entre 15 e 18 anos, depois descobriram o álcool e que, de uma rapariga, podia-se retirar muito mais prazer além de umas boas beringelas recheadas que ela possa saber cozinhar. Os valores foram ficando para trás, esquecidos.
Fez parte de uma geração. Mas porra! Não era difícil prever este epílogo. É que grande parte dos partidários e líderes desta acção tinham particpado na série juvenil "Riscos"... Queriam milagres?

A todos os que, por momentos, acreditaram na Saúde Eterna, a minha homenagem

"Nas ruas da cidade há pessoas a morrer
mas a vergonha maior é ter carne pra comer.
O Governo cabrão gosta de pagar salários,
mas a mim não me enrabam, seus Otários!
Enquanto o pastel de nata não der lugar ao tofu
e o Galo de Barcelos ao Alho Francês cru,
esta será a nossa luta e ninguém nos vai deter
nem mesmo a Policia que sempre... FICA A VER!
FORWARD! HARD CORE, FORWARD!"